TERESA KUTALA FIRMINO

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Teresa Kutala Firmino


Teresa Kutala Firmino nasceu em 1993 em Pomfret no acampamento militar de uma quinta do Norte Oeste. Agora, trabalha e mora em Joanesburgo. É artista multimédia trabalhando com suportes tais como a pintura, fotografia e performance. Faz parte de um colectivo chamado Kutala Chopeto. O colectivo começou como um inquérito à própria história, que está ligada ao Batalhão 32.  O trabalho deles aborda questões de identidade, herança e história sobre à migração da sua família. Semelhante ao seu trabalho no coletivo, ela pega em diversas histórias derivadas da comunidade Pomfret, re-estrutura, re-escreve e re-imagina-as em diferentes formas de arte. 


A Diasporic Gaze, ©Teresa Kutala Firmino


PD: Por favor, descreva-se, sua prática e aspiração?
TKF: Meu nome é Teresa Kutala Firmino; Sou uma jovem artista negra, nascida em 1993 numa pequena cidade militar do deserto chamada Pomfret, um ano antes das eleições democráticas sul-africanas. Recentemente conclui o meu mestrado em Belas Artes na Universidade de Witwatersrand e moro e trabalho em Joanesburgo. Isso é quem eu sou no papel. Eu sou angolana, congolesa e sul-africana de coração. Carrego os incómodos todos de ser de vários lugares. O meu trabalho é sobre todas as coisas mencionadas acima, raça, género, política e as complexidades inerentes à esses discursos. Do momento, a minha aspiração é ser uma artista de sucesso num sector em que muitas jovens negras foram esquecidas.

PD: A ideia de casa para muitas pessoas significa o lugar onde o coração pertence, essa noção de casa/lar/lugar tem alguma ligação com a infância para você? Por favor, guie-nos para o lugar que você chama de casa/lar/lugar?
TKF: A questão de pertencer sempre foi uma questão emocional para mim. Sempre encontrei reconforto em ser sul-africana até ter deparado com a verdade desconfortável sobre quem sou realmente ou como sou vista pelas pessoas na África do Sul. Sempre soube que era diferente, mas nunca questionei a minha identidade como sul-africana. Lembro-me que na escola primária as outras crianças negras diziam-me para me sentar sempre que o professor contava as diferentes raças na sala de aula. Eles, sem dúvida, diriam ao professor que eu não era negra porque não falava a língua deles ou porque a textura do meu cabelo era demasiada macia ou porque o meu inglês era muito bom e havia algo estranho no meu sotaque. Definitivamente, não era branca ou indiana, era muito escura para ser de cor e não negra o suficiente para ser “negra”. Quando estás em casa, não pensas em “quem és”; quem és” está todo ao teu redor, mas assim que você sai da sua zona de conforto, existem gatilhos por toda a parte. Num táxi, a ter que explicar ao motorista porquê que respondeste à pergunta dele em inglês, sempre precisas explicar por que não tens um sobrenome “Africano”. Mesmo durante os ataques xenófobos de 2012, encontrei reconforto no meu livro de identidade até minha irmã mais velha ser atacada num táxi por não entender o Zulu. A primeira coisa que lhe disseram foi para voltar de onde veio. Eu poderia imaginá-la, como faço muitas vezes também, pensando para onde volto também? Somente conhecemos a África do Sul como lar, Angola é esse lugar distante que alguns de nós jamais poderão ver. Eu visitei Angola em 2015. Disseram-me que me sentiria em casa porque todos falavam português como eu. Em vez disso, nada em Angola era familiar; Senti-me mais como uma estrangeira em Angola do que na África do Sul. Os angolanos repararam que eu era diferente; Acho que devido ao meu português quebrado também com o sotaque “errado”. Eles não entendiam porquê usei frases como “eish” e “neh”. Eles acharam engraçado pois eu não podia acreditar que o Shoprite era tão limpo em Luanda e chamaram-me de “pirralha mimada” por reclamar de água suja da torneira. Então, o lar torna-se um lugar imaginado que não pode ser ligado à uma terra, em ambos países. Eu tenho que negociar constantemente quem eu sou. Eu sou tanto uma estrangeira, como uma nativa que sempre tem que explicar, porque só podes ser apenas uma dos duas. Como alguém se sente indesejado na sua própria casa? E se você está em casa, porque sentes a necessidade de te sentir bem-vindo?

PD: Quem são as suas lendas domésticas? Por favor, descreva a relação que tem com as(os) mesmos(as)
TKF: Minha avó, sua força inspira-me. Como pode uma garota de uma pequena aldeia em Angola sobreviver a um casamento quando criança, a relações abusivas, a guerra civil, guerras de fronteiras para acabar na África do Sul? O tipo de dor e de experiência que ela tem é algo que eu nunca poderia imaginar.

PD: A sua prática artística envolve o uso de diferentes médias. Pode elaborar o papel que eles desempenham no seu processo e a sua abordagem com cada um deles? E porque tem a necessidade de trabalhar em diferentes mídias?
TKF: Podem ser meios diferentes, mas ambos fazem o mesmo por mim: contam histórias. Eu vejo os dois como ferramentas para contar as minhas histórias e as histórias dos outros. Habitualmente começo um projeto ou obra de arte com uma história em mente e o meio permite-me explorar a narrativa de maneiras diferentes. Uma performance é mais um acontecimento, mesmo que esteja gravado, nunca poderia voltar a vivenciar àquela situação outra vez. Algumas vezes, mesmo que eu tenha desempenhado a performance diversas vezes, o ambiente, as pessoas e o espaço oferecem muitas oportunidades para melhorar. Pintar, por outro lado, é sobre tempo e escolhas. Posso começar uma pintura com um certo esboço ou ideia, mas porque passo demasiado tempo à olhar para à pintura, novas idéias e pensamentos manifestam-se. É por isso que minhas pinturas são tão cheias de camadas, as histórias tornam-se em histórias múltiplas, do passado, presente e futuro.


A Band of Baboons, ©Teresa Kutala Firmino


PD: Conte-nos sobre processo criativo e como diferentes lugares podem afetar ou influenciar seu trabalho?
TKF: Como mencionei mais acima, habitualmente começo um projeto com uma história em mente. Que seja uma história pessoal ou notícias do mundo. Atualmente, tenho trabalhado principalmente com pinturas, então a maioria das minhas histórias são contadas através das minhas pinturas. Depois de pensar numa história e fazer pesquisas, começo a recolher imagens da internet, revistas e jornais. Essas imagens podem conectar-se à minha história ou não, e algumas acabam ou não nessa mesma pintura. Enquanto pinto, sempre começo por criar um cenário ou, como alguns já disseram, um palco para as minhas personagens que estariam a interpretar a história. Depois, transforma-se-num processo de camadas de cores, linhas e personagens.. Muitas vezes, a história que comecei permanece na pintura e por vezes torna-se numa história completamente nova.

PD: Usando projetos passados, presentes ou em andamento como exemplos, fala-nos mais sobre os temas que aborda, os seus interesses e como isso dá ênfase ao trabalho?
TKF: Meu projeto em curso sempre foi Reescrever a História, especialmente a história africana, que por sua vez é a história mundial. Reescrever a história é um acto de reimaginar o passado em um mundo de histórias pré-escritas que se definiram como verdade. O exercício exige que alguém re-imagine seu próprio passado, complicando estas histórias. Para que se possa reimaginar a história, é preciso emprestar-se do conhecimento passado e presente. As histórias estão sempre no presente, elas transportam-se das próprias memórias pessoais para as placas de rua e os prédios antigos. No processo de reescrever histórias, é preciso pedir emprestado ao passado e ao presente para reconstruir arquivos.

PD: Quais são as iconografias/temas que mais significado têm para si e que influenciam (direta ou indiretamente) a sua prática artística?
TKF: Penso que imagens de África ou melhor, representações do que é África, sejam elas estereotipadas, coloniais, futuristas, etc… Isso pode variar de imagens de personagens políticas a certas cores e objetos. Aparecem de diversas maneiras no meu trabalho.

PD: Poderia definir sua prática artística usando quatro palavras-chave descritivas?
TKF: Política, narrativa, reconstrução e desmontagem.


Museum Of The Dead Playing Dress Up, ©Teresa Kutala Firmino


PD: Poderia compartilhar conosco algum pensamentos, histórias, preocupações, sugestões ou críticas sobre o estado da arte em geral, enfatizando a cena artística de Angola?
TKF: Para mim, a Arte deve ser uma das indústrias que permite as pessoas falaram ou como eles dizem, ser “o espelho do mundo”. O silêncio e controle dos artistas em África, sendo um dos continentes mais artísticos do mundo, é preocupante. Porquê que devemos viajar para a terra dos nossos opressores para realizar trabalhos sobre os nossos lares?

PD: Existe algo relevante que gostaria de partilhar connosco, assumindo o contexto cultural angolano?
TKF: Eu não acho que você pode separar a política. A mesma política que a cena cultural está passando é um reflexo do país, continente e mundo. Se não, então estamos com problemas.

PD: Nota aberta: use o espaço abaixo para compartilhar o que quiser, o que considerar relevante (ficção ou realidade).
TKF: Vida, liberdade e a busca pela felicidade!




Obrigado por nos conceder acesso ao seu universo. Esta conversa foi conduzida por Januario Jano.


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