HELENA UAMBEMBE

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Helena Uambembe

Os pais de Helena Uambembe são angolanos (ela nasceu em Pomfret, África do Sul), que fugiram da guerra civil, seu pai era um soldado do Batalhão 32. O Batalhão 32 e a sua herança angolana são temas dominantes no trabalho de Uambembe. O Batalhão 32 era uma unidade militar da Força de Defesa na África do Sul composta principalmente por soldados negros angolanos. Uambembe explora a história e as narrativas sobre o Batalhão 32, fazendo uso de símbolos e materiais de arquivo. Ela trabalha com diversos meios, como fotografia, vídeo, som, performance, montagem e gravura.

Portrait of Neto and I, 2019, ©Helena Uambembe

PD: Descreva-se, sua prática e aspiração?
HU: Descrever-me à mim mesma é honestamente uma tarefa assustadora, porque tenho que falar de mim. Bem, acho que poderíamos começar por me identificar como uma garota e uma artista. Parte da minha descrição seria que sou uma artista nascida na África do Sul de pais Angolanos. O meu trabalho gira à volta da história da minha família, que está ligada à Guerra Civil Angolana, mas também reivindicando e questionando uma identidade que muitas vezes desempenhei. Meus pais, especialmente o meu pai, insistiam no facto de que eu sou mais Angolana, então eu sou Umbundu e deveria me orgulhar disso. O meu trabalho toma forma em performance, fotografia, vídeo, montagem e gravura. Minha história e a de Angola são demasiadas complexas para usar apenas um meio como forma de expressá-las.

PD: A ideia de casa para muitas pessoas significa o lugar onde o coração pertence, essa noção de casa/lar/lugar tem alguma ligação com a infância? Por favor, guie-nos para o lugar que chama de casa/lar/lugar?
HU: Pomfret é o meu lar. Pomfret é uma pequena cidade nos arredores do Noroeste Provincial da.
África do Sul. Esta cidade deserta é o lar de muitos soldados dos soldados reformados do Batalhão 32. Antes de Pomfret, Buffalo era o lar do Batalhão 32. Buffalo era na Namíbia, nas margens do Rio Okavango. Pomfret é o meu lar, porque, bem, foi onde nasci, onde tenho as minhas melhores lembranças. Foi onde a minha identidade de “Angolana” se confirmou e a minha identidade de Sul-Africana foi questionada. Pomfret carrega muitas emoções, mas também é minha fonte de inspiração. Mas o mais importante é onde a minha mãe morreu e está enterrada.

PD: Quem são as suas lendas domésticas? Descreva a relação que tem com as(os) mesmos(as).
HU: A minha mãe, o meu pai e o meu irmão; Eu sei que pode parecer parvo, mas o músico Paulo Flores e os Irmãos Verdades. A minha mãe, porque acredito que é a mulher mais forte que já existiu, um de seus maiores sonhos era ver os seus filhos terminarem a escola. Ela vendia o pão que assava todas as manhãs para mandar os seus oito filhos para a escola e aqui estou eu, o seu sonho mais louco. Infelizmente, ela não viveu o suficiente para me ver terminar o ensino médio e a faculdade. O meu pai, porque finalmente o entendo, investigando a sua história pessoal na guerra e no Batalhão 32, percebendo o seu trauma, tenho mais respeito por ele e mais empatia. O meu irmão, porque ele era o artista da casa, e tudo que eu queria fazer era desenhar como ele e, sinceramente, ainda é isso que eu gostaria de fazer. Os Irmãos Verdades era algo que era sempre tocado nas festas quando eu era mais jovem, a música deles vem acompanhada de muitas lembranças. Mesmo depois de estar sempre a ouvi-los, as minhas habilidades em kizomba continuam insuficientes, mas eles costumavam transportar-me para outro mundo. O Paulo Flores informava-me sobre o que estava a acontecer em Angola. A sua música e escrita são tão poéticas, ele é um contador de histórias profundo. Até hoje, a sua música carrega muitas lembranças para mim e influenciam a maneira como eu expressei a palavra dita e a música em minha arte.

 

PD: A sua prática artística envolve o uso de diferentes médias. Pode elaborar o papel que eles desempenham no seu processo e a sua abordagem com cada um deles? E porque tem a necessidade de trabalhar com diferentes mídias?
HU: A minha prática abrange desempenho, montagem, fotografia, vídeo, gravura. Minhas performances são muitas vezes as minhas reações às histórias que ouço na comunidade, a maioria das histórias envolve traumas, a realização da arte tornou-se numa espécie de mecanismo de compilação. Usei diferentes meios na tentativa de arquivar a história que somente é contada através de estorias. Permite também escapar de alguns comentários que não seriam permitidos serem ditos em voz alta.

Chipenda, Savimbi, Roberto and I, 2019, ©Helena Uambembe

PD: Conte-nos sobre processo criativo e como lugares diferentes podem  influenciar o seu trabalho.
HU: Geralmente começo por examinar o meu arquivo pessoal de entrevistas, vídeos ou fotografias. Existe um extenso período de pesquisa. O processo não é definido, ele flui naturalmente, dependendo do conteúdo com o qual gostaria de trabalhar ou do tema. Com a gravura, geralmente gosto de experimentar as diferentes técnicas. As minhas técnicas preferidas são litografia de papel, serigrafia e, recentemente, tenho experimentado cianotipia.

PD: Usando projetos passados, presentes ou em andamento como exemplos, fala-nos mais sobre os temas que aborda, os seus interesses e como isso dá ênfase ao trabalho?
HU: Trato de memória, memória coletiva, identidade, localização. O atual corpo de trabalho explora o os contextos históricos tanto Angolano bem como da África do Sul, no ano 1976. 1976 foi o ano em que o Batalhão foi oficialmente formado. O número de soldados fundadores começa com 76. Na comunidade, deram-lhes o apelido de “Sete Seis”. Ando a procura das circunstâncias que levaram a esse ano fatídico. Mas, mais especialmente, ando a explorar a história pessoal de meu pai porque ele é um sete seis. Com isso, também estou a tentar rastrear a origem da minha família.

PD: Quais são as iconografias/temas que mais significado têm para si e que influenciam (direta ou indiretamente) a sua prática artística?
HU: O búfalo. O búfalo é a insígnia usada para o Batalhão 32. Mas também o vejo como uma fera que consumiu pessoas. Associo o búfalo a uma história que meu cunhado me contou sobre os Tchingangi em Búfalo e como procurariam meninos não circuncidados, como engoliriam os meninos e como alguns deles nunca mais voltariam. É o mesmo com o Batalhão 32, onde jovens angolanos, refugiados e crianças foram recrutados pelo Exército da África do Sul, muitos deles não sobreviveram, muitos voltaram quebrados.

Viva Liberdade, 2019, ©Helena Uambembe

PD: Poderia definir sua prática artística usando quatro palavras-chave descritivas?
HU: Marcante, honesta, emocional e necessária.

PD: Poderia compartilhar conosco algum pensamento, histórias, preocupações, sugestões ou críticas sobre o estado da arte em geral, enfatizando a cena artística de Angola?
HU: Penso que a arte Angolana está no caminho certo. Penso que tem algo novo para oferecer, ainda é um mercado de arte inexplorado. Artistas como Nastio Mosquito, Kiluanji Kia Henda, Antonio Ole e a curadora Paula Nascimento deram-me motivação e inspiração para continuar com a arte, quando eu era estudante e quis abandonar muitas vezes. A forma como esses indivíduos são capazes de colocar a arte Angolana no mapa, apesar de todas as dificuldades, é admirável. No entanto, eu tenho que destacar que na minha lista de artistas que não tem mulheres, salvo erro, parece ter uma falta de artistas feminina. E sim, eu conheço Keyezua, mas é preciso haver elevar mais as artistas emininas.

PD: Existe algo relevante que gostaria de partilhar connosco, assumindo o contexto cultural angolano?
HU: Algo que me alegra são as fronteiras de Angola que agora estão mais abertas e não há requisitos rígidos para o visto que só afastam as pessoas. Agora existe uma oportunidade para Angola de criar turismo de arte. Na esperança que haja mais residência, workshops e projetos.

The Forgotten, 2019, ©Helena Uambembe
The Unknown, 2019, ©Helena Uambembe

PD: Nota aberta: use o espaço abaixo para compartilhar o que quiser, o que considerar relevante (fiçcão ou realidade).
HU: Sou tão Angolano quanto o oléo de Palma.

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Obrigado por nos conceder acesso ao seu universo. Esta conversa foi conduzida por Januario Jano.